Matheus Magenta,
Mariana Sanches e André Shalders
Da BBC News Brasil
em Londres, Washington e Brasília
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Foto: Joedson Alves / EPA |
Aos 18
anos, três dias após ser aprovado para o curso de Direito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eduardo Bolsonaro foi nomeado para um cargo
comissionado de 40 horas semanais na liderança do então partido do pai na
Câmara dos Deputados, o PTB, comandado por Roberto Jefferson.
Com a
contratação, o filho 03 do presidente entrava com o pé direito em um mercado de
trabalho marcado naquele ano por índice recorde de desemprego.
Por um ano e
quatro meses, o calouro de Direito ocupou um cargo que pagava o equivalente a
R$ 9,8 mil por mês, em valores atuais, um rendimento maior que o de 98% dos
brasileiros.
A regra que
proíbe o nepotismo, e assim impede a contratação de parentes de políticos, só
viria cinco anos mais tarde.
Mas, segundo as
normas da Câmara dos Deputados vigentes à época, o posto foi ocupado de forma
irregular. Só poderia ter sido preenchido por alguém que desse expediente no
Congresso, já que esse tipo de cargo tem "por finalidade a prestação de
serviços de assessoramento aos órgãos da Casa, em Brasília. Desse modo, (os
servidores) não possuem a prerrogativa de exercerem suas atividades em outra
cidade além da capital federal".
Ou seja, não poderia ser cumprido remotamente
por um funcionário que vivia a quase 1.100 quilômetros de distância no Rio de
Janeiro, onde Eduardo Bolsonaro cursava normalmente, segundo apurou a
reportagem da BBC News Brasil, os primeiros semestres da faculdade de Direito
da UFRJ.
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Reprodução |
A limitação de tempo e espaço, no
entanto, não impediu que Eduardo Bolsonaro passasse 16 meses como funcionário
da Câmara, como o próprio pai admitiu em um debate, em 2005, justamente sobre
nepotismo.
"Já tive um
filho empregado nesta Casa e não nego isso. É um garoto que atualmente está
concluindo a Federal do Rio, uma faculdade, fala inglês fluentemente, é um
excelente garoto. Agora, se ele fosse um imbecil, logicamente estaria
preocupado com o nepotismo", disse Jair Bolsonaro no debate em sessão da
CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa, segundo reportagem do arquivo
do jornal O Globo.
A BBC News
Brasil encontrou a comprovação de contratação de Eduardo Bolsonaro em pesquisa
no site da Câmara dos Deputados. Já o currículo público do próprio deputado
federal, também no site da Casa, não faz nenhuma referência ao posto no PTB na
seção "Atividades Profissionais e Cargos Públicos".
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Reprodução |
De um irmão para o outro
Inicialmente,
Eduardo fora nomeado em dezembro de 2002 para um cargo comissionado na
liderança do PPB (ao qual o pai era filiado à época, atual PP). O mesmo posto
fora ocupado seis meses antes pelo irmão mais velho, Flávio. Este, aliás, havia
ocupado esse cargo logo após a segunda mulher de Jair Bolsonaro, Ana Cristina
Siqueira Valle.
Segundo
informações da Câmara dos Deputados, esse emprego pagava cerca de R$ 12,6 mil
por mês, em valores atuais.
Só que a
nomeação de Eduardo, então com 18 anos, foi anulada três semanas depois que ele
assumiu o cargo — o boletim administrativo com a anulação não traz explicações,
mas a decisão coincide com a mudança de partido do pai, que trocou o PPB pelo
PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) à época.
Dois meses
depois, em fevereiro de 2003, Eduardo passou a ocupar um outro cargo também
comissionado na liderança da nova sigla do pai, porém em posto com um salário
menor que o do anterior (R$ 3.904 à época, ou quase R$ 9.780 em valores
atuais).
O posto estava
alocado na liderança do PTB, então nas mãos de Roberto Jefferson, parlamentar
que inchou o partido ao entrar na coalizão do primeiro governo Lula e depois
foi o pivô do escândalo do mensalão.
Questionado pela
BBC News Brasil sobre a função na Câmara, Eduardo Bolsonaro demonstrou não ter
memória de seu primeiro emprego público formal.
Em coletiva de imprensa, em julho de 2019, um repórter da BBC
News Brasil o questionou sobre o emprego na Câmara a partir de 2003:
Eduardo Bolsonaro - Dois mil e...?
BBC News Brasil - 2003.
Eduardo Bolsonaro - Tá.
BBC News Brasil - Como é possível isso?
Eduardo Bolsonaro - Ué, você nunca conseguiu trabalhar e
estudar ao mesmo tempo na sua vida, não?
BBC News Brasil - Em cidades diferentes?
Eduardo Bolsonaro - Em cidades diferentes?
BBC News Brasil - O sr. era servidor aqui em
Brasília e cursava no Rio, não?
Eduardo Bolsonaro - Assumindo alguma atividade partidária...
Agora... Em 2003?
BBC News Brasil - Em 2003 e 2004, por 16
meses.
Eduardo Bolsonaro - Olha, eu teria que puxar forte pela memória aqui então…
Mas eu acho que não teria problema nenhum, conseguir trabalhar, prestar um
serviço partidário. Inclusive eu já tive assessor meu que eu encontrava com ele
uma vez por mês no máximo, né? (O assessor) prestava a minha assessoria de
maneira local no litoral de São Paulo.
Outro lado
Procurado
novamente nesta terça-feira (1º) e também na quarta-feira (2) por e-mail e em
seu gabinete na Câmara para comentar o assunto, Eduardo Bolsonaro não quis
responder aos questionamentos da BBC News Brasil.
O presidente
Jair Bolsonaro, por meio da assessoria de imprensa da Presidência da República,
afirmou que não comentaria o assunto.
Aliado do
governo Bolsonaro e presidente do PTB, Roberto Jefferson disse não se lembrar
se Eduardo Bolsonaro trabalhou na liderança do partido no período em que ele
era o líder petebista na Câmara. E sugeriu que a reportagem procurasse a
liderança atual do partido. Esta, por sua vez, não respondeu ao pedido de
entrevista.
Procurada, a
assessoria de imprensa da liderança do PTB afirmou que não iria responder às
perguntas da BBC News Brasil e que, considerando o tempo transcorrido, não
guardava nenhum documento que evidenciasse que Eduardo realmente trabalhou lá.
Segundo a
Câmara, as atribuições do cargo ocupado por Eduardo à época incluíam, por
exemplo, "fazer relatórios das reuniões realizadas", "acompanhar
o resultado das votações plenárias e em comissões" e "orientar e
assistir os deputados nas votações de matérias no Plenário e nas
comissões". Em 2007, uma resolução restringiu de modo mais taxativo, entre
outros pontos, o exercício da função fora de Brasília.
Questionada pela
BBC News Brasil, a Câmara afirmou que essa prática já era proibida antes da
resolução, conforme resposta por escrito abaixo.
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Reprodução |
Tradição de nomear familiares
A prática de empregar
parentes era comum na família Bolsonaro. Flávio, o filho 01 do presidente, também ocupou cargo de 40 horas semanais na
liderança do partido do pai na Câmara dos Deputados, em Brasília, enquanto
vivia, estagiava e fazia faculdade, também de Direito, no Rio de Janeiro.
Bolsonaro
indicou ou nomeou para cargos não apenas os filhos mas também suas então
esposas e parentes delas. Em 2005, quando estava filiado ao PFL (quinto partido
de sua carreira), afirmou na Câmara que o debate entre parlamentares sobre o
nepotismo era hipócrita. Para ele, caberia aos eleitores julgar se a prática é certa
ou errada.
Em 2008, no
entanto, uma decisão do Supremo Tribunal Federal proibiu a contratação de
parentes nos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). A partir dali,
não poderia haver, por exemplo, contratações de parentes de autoridades e de
funcionários para cargos de confiança e em comissão.
Ou seja, o
nepotismo foi inicialmente proibido no Brasil por meio de uma decisão do STF.
Agora, essa
mesma proibição pode barrar a nomeação de Eduardo para o posto de embaixador em
Washington. A indicação foi feita pelo próprio pai e será submetida ao Senado
assim que for formalizada.
Há divergências
se o cargo de embaixador é de natureza política, como os de ministros e
secretários. Nesse caso, não estaria contemplado na determinação do STF.
Em 2018, a
Segunda Turma do STF afirmou que a súmula vinculante que veda o nepotismo não
se aplica à indicação para cargos de natureza política — não há menção
específica, no entanto, ao posto de embaixador.
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Foto: GETTY IMAGES |
Para ministros da Corte, cargos em
comissão ou de confiança são meramente administrativos, e os de natureza
política são postos de confiança ligados ao exercício do poder (Executivo, mais
especificamente), e portanto de livre nomeação e exoneração do mandatário.
Um parecer de
dois consultores do Senado, Casa responsável por sabatinar e avalizar ou não
nomes indicados ao cargo de embaixador, afirma que o posto em Washington é um
cargo comissionado comum, e por isso o presidente da República não poderia
indicar o próprio filho ao cargo. O documento, de caráter consultivo, cita a decisão
do Supremo de 2008.
Intercâmbio nos EUA:
'Trabalho humilde'
Em busca da
habilidade de falar inglês, que serviria anos depois como uma das
justificativas para Bolsonaro decidir indicá-lo ao cargo de embaixador, Eduardo
fez um intercâmbio de "Work Experience" nos Estados Unidos, onde
disse ter trabalhado em uma rede de lanchonetes e entregando pizza entre o fim
de 2004 e o início de 2005, nas férias da faculdade.
E, embora a
experiência de 16 meses na Câmara não pareça ter deixado lembranças para o filho
do presidente, o trabalho de 4 meses nos Estados Unidos o marcaria
profundamente.
"Ele fritou
hambúrguer no passado sabe o porquê? Porque não tinha dinheiro para bancar lá.
Qual a intenção dele em ficar seis meses nos Estados Unidos? Aperfeiçoar o
inglês dele. Eu falei assim: fica, mas se você bancar a sua despesa. Fritou
hambúrguer, entregou pizza. É a maneira que tem de conversar e está com um
inglês muito bom, tenho certeza", afirmou o presidente Jair Bolsonaro, na
Argentina em 17 de julho deste ano.
Com o salário da
Câmara como assessor do PTB por 16 meses, no entanto, Eduardo teria condições
de pagar à vista o intercâmbio da empresa World Study, que custava à época
cerca de R$ 4 mil, segundo apurou a BBC News Brasil.
"Nestes
locais trabalhei como frontdesk de restaurante fast food, cozinheiro, caixa e
faxineiro, pagava minhas contas e ainda voltei com um dinheirinho no
bolso", escreveu Eduardo no Facebook em dezembro de 2015 sobre os dois
meses no Estado do Maine e outros dois no Colorado. Segundo ele, "além de
aprender mais a língua inglesa pude experimentar a cultura local."
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Foto: Paola de Orte / Agência Brasil |
Em seu texto, afirma que nos EUA
"todos os trabalhadores são respeitados independente do seu salário"
e "vergonhoso era viver da ociosidade". "Também pudera, nos EUA
o governo federal divulga com orgulho quando reduz os gastos com programas
assistenciais, já aqui no Brasil o governo parece se sentir enobrecido quando
amplia o guarda-chuva desses mesmos programas."
Em um vídeo
postado por ele em 2017, em frente à lanchonete onde trabalhou, ele afirma que
"nos Estados Unidos eu aprendi que indigno é você não ter trabalho, não
tem tempo ruim, você ganha aqui pelas horas trabalhadas".
Depois do
emprego comissionado no partido do pai, Eduardo voltaria a ocupar um posto da
Câmara dos Deputados em 2015, desta vez como deputado federal eleito pelo
PSC-SP. Foi o 61º mais votado de São Paulo, em uma campanha basicamente bancada
pela família e por assessores ligados ao pai.