Antônio Werneck – globo.com
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Carla Hirt detida no momento em que supostamente atirava pedras na vidraça de uma loja, e Igor Pouchain Matela, por desacato aos PMs. Marcelo Piu / Agência O Globo |
RIO - Presos pela
Polícia Militar sem documentos na madrugada de 18 de julho no Leblon, palco de
uma das mais violentas manifestações do Rio, perto da residência do governador
Sérgio Cabral, o casal de geógrafos Igor Pouchain Matela e Carla Hirt foi
levado à 14ª DP, no bairro. Carla foi detida no momento em que supostamente
atirava pedras na vidraça de uma loja, e Igor, por ter desacatado os PMs que a
prenderam. O caso seria mais um dos que marcam os bastidores dos protestos na
cidade, não fosse por um detalhe: segundo os policiais de plantão naquele dia,
os dois se apresentaram como agentes da Agência Brasileira de Inteligência
(Abin) e agora são tratados como suspeitos de estarem ali trabalhando
infiltrados. A Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo (CEIV) e
a Polícia Civil estão investigando o caso.
A Polícia
Civil confirmou ao GLOBO que Igor e Carla se apresentaram como agentes da Abin
ao chegarem à delegacia. Também informou que, de acordo com o relato do
delegado titular da 14ª DP, Rodolfo Waldeck, Carla foi presa em flagrante por
formação de quadrilha, e Igor, por desacato a um PM. Na delegacia, Igor também
teria desacatado a delegada Flávia Monteiro, responsável pelo plantão no dia.
Carla foi autuada por formação de quadrilha e liberada após pagamento de
fiança. Igor, por crime de desacato. Os dois não foram localizados para
comentar a denúncia.
Segundo
nota da Polícia Civil, a CEIV — criada depois dos atos de vandalismo durante os
protestos — vai “investigar a informação de que o casal preso na manifestação
do dia 18 de julho no Leblon seria integrante da Abin”.
Agência nega ter agentes infiltrados
A Abin
negou manter agentes infiltrados nas manifestações do Rio. Em nota, garantiu
“desconhecer a prisão ou a autuação de servidor de seu quadro em 18 de julho ou
nos dias subsequentes na cidade do Rio” e explicou que “o sigilo dos nomes dos
integrantes da Abin é garantido pela lei 9.883, de dezembro de 1999, sendo,
portanto, vedada a sua publicação, inclusive em atos oficiais”. No Diário
Oficial da União, de 2008, Igor aparece entre os nomeados para atuar junto ao
Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, ao qual a Abin
está subordinada.
O caso de
Igor e Carla acontece num momento delicado, em que vem à tona a participação de
policiais fluminenses infiltrados em manifestações. Esta semana, o Ministério
Público estadual anunciou que passou a investigar vídeos divulgados nas redes
sociais, em que policiais do serviço reservado (P-2) da PM do Rio aparecem
supostamente infiltrados no protesto em Laranjeiras, na noite de segunda-feira,
durante a recepção ao Papa Francisco. No mesmo dia, a PM reconheceu o uso do
expediente, informando que os policiais agem filmando, coletando provas e
fazendo prisões.
Infiltrar
agentes é prática reconhecida internacionalmente nos meios policiais de
inteligência, mas os especialistas alertam que há limites: o agente infiltrado
deve se limitar a observar, coletar informações e transmiti-las. Mas eles não
podem se envolver em crimes — há denúncias de manifestantes de que PMs estariam
incitando e até praticando atos violentos.
— Na
ausência de disciplina legal específica, os limites da ação de inteligência são
os parâmetros gerais, constitucionais e legais dos agentes estatais — disse um
especialista, que preferiu o anonimato.
Ainda
segundo ele, essa premissa tem sua validade confirmada na Lei n. 9.034/95, que
trata dos meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas
por organizações criminosas. Em seu art. 2, inciso V, a lei prevê a infiltração
por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação,
constituídas pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada
autorização judicial.
— Falando
em tese eu diria: mesmo para a infiltração estrutural, é preciso autorização
judicial que preveja os limites genéricos da operação. Na lei atual, embora não
esteja prevista a possibilidade da prática de crimes pelos agentes infiltrados,
entende-se na doutrina ser admissível quando se tratar de prática necessária e
imprescindível para a garantia da infiltração, o que envolve obter a confiança
do grupo, e o crime a praticar for menor do que o investigado.
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