Certo dia fiz longa pausa diante de entulhos, induzida
pela atração incontrolável na releitura de coisas antigas, velhas, abandonadas.
Pulsa um mundo em cada objeto descartado, substituído ou simplesmente
desprezado.
Descobri que estava diante de uma montanha de ideias, mistérios de histórias ocultadas, mascaradas, despejadas ali naquele monte de lixo. Por dedução tentei decifrar o passado de quinquilharias, como, por exemplo, a quem pertenceu, se teria sido útil, amado, mal tratado... Há justiça destinar para a inutilidade aquilo que nos serviu?
Pausei o olhar sobre um ramalhete de rosas murchas. As pétalas, já desidratadas pelo passado tempo, insistiam em sangrar a originalidade da imponência vermelha do rubi, talvez o capítulo principal de um breve romance. Cena que me inspirou ao retrocesso. O plantio daquelas flores, sua colheita, a comercialização, o presentear, a emoção de cada fase de vida daquelas rosas, tudo que se processou até nosso primeiro encontro, onde a cumplicidade estabeleceu a conexão entre dois mundos de coisas feitas pelo homem vivo e o morto.
Interroguei a mim
mesma, e meus “botões” ficaram por demais curiosos quanto à missão daquele
ramalhete, que apesar de jazer ao lixo, mantinha um certo quê de exclusiva
beleza. Teria obtido êxito ao objetivo que lhe propuseram? Quantos prazeres e a
quantas pessoas aquelas rosas teriam proporcionado antes, durante e após sua
transformação em ramalhete, além de meu apreço?
Ao avistar uma velha porta quebrada, escombro de algum prédio reformado ou demolido, imaginei se alguém sentou-se ao seu batente para meditar com o pé no chão, ou se algum casal, em beijo de despedida a fez de marco da separação, ou a usou como portal para alegre beijo de reencontro.
Todo lixo tem história. Cada um daqueles objetos já proporcionou alguma ou várias emoções, tristes ou alegres aos seus abandonadores que, por algum motivo, num certo (ou até mesmo incerto) momento fora descartado, posto do lado de fora da intimidade, enfim apartados de suas vidas.

Por outro lado impera a positividade no desejo para limpar passado, na soberana sede pelo novo absoluto, pelo sonho virgem que renova a esperança intuitiva de coisas melhores.
Com certeza cada um
dos componentes daquele amontoado, marcou momento histórico, episódio no qual
somente o próprio objeto pactuou da cumplicidade sentimental. Nessa apreciação
vi infinidade de coisas que juntaram seus destinos, suas lendas, seus fracassos
finais, mas que, no entanto mantiveram as individualidades coadjuvantes ou
protagonistas de contos, poemas, canções e prosas.
Ao redor: a velha árvore, o buraco na terra, o caco de garrafa, a lixeira, a panela amassada e furada, a xícara partida e inúmeros outros muitos objetos, cada qual sendo um cofre de histórias codificadas.
Vanda Ferreira - escritora
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