Campo Grande viveu uma semana de intensa agitação que deixou boquiabertos os cidadãos e cobriu com maus lençóis os políticos, tirando o sono de alguns e, definitivamente o futuro de outros.
A política foi estampada dia após dia, no caderno policial, dividindo espaço com traficantes e homicidas e, pelo teor das acusações, denegriu a imagem destes marginais. A saúde foi definitivamente para a Unidade de Terapia Intensiva, e está mal assistida, sem medicação, sem previsão de alta médica.
E antes que se entenda que definir como política a atuação de gestores de hospitais e clínicas é apenas uma perseguição insana da imprensa, entenda-se que são postos de nomeação e ações administrativas que envolvem injunções nos bastidores de órgãos federais, estaduais e municipais.
Câncer e tumores
Escolham qualquer um dos hospitais públicos de Campo Grande e ouçam seus pacientes e funcionários em busca de informações que o referenciem. Não há. Seria o puro reflexo da Saúde pública inepta e ineficiente do país? Sim, também.
O que se tem visto pelo volume de recursos desviados é que os mortos recebem, nos hospitais, melhor tratamento do que os vivos. E não se trata da preparação dos corpos, maquilagem cinematográfica, urnas suntuosas, não. Recebem tratamento medicamentoso, sessões quimioterápicas, inclusive.
Nos traria orgulho se fossem pesquisas científicas, nos elevaria se fosse a fé incontida em ressuscitar os mortos. Mas nos envergonha saber que é uma doença mais aterradora que o próprio câncer, a diabólica avareza humana.
Mas, se por um lado profissionais da medicina que ora se confundem com cruéis administradores da desgraça, ora mercadores e agiotas que avaliam seres humanos como carne abjeta, jogaram na cova rasa, ainda com vida, o sistema de saúde, por outro e não menos pior fizeram aliados políticos do ex-prefeito Nelson Trad Filho e do atual governador André Puccinelli, que cobriram esta saúde moribunda com a lama na qual convivem.
Será feita Justiça, ou serão aplicadas as brandas leis que, mansas como as ondas na praia, alcançam os pés dos poderosos? Pelo andar da carruagem da CPI instaurada e pelos passageiros que a compõem, não será estranho que se condenem aqueles que insistiram em sofrer e morrer nesta roda viva em que se transformou a província de Campo Grande, mais um bastião de resistência à modernidade.
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Dr. Adalberto Siufi |
Em breve resumo, que mais pode ser acompanhado em rede nacional, havia cobrança do Sistema Único de Saúde (SUS) por tratamento a pacientes já mortos, contratações de integrantes de uma mesma família, Siufi, com salários elevados, compras sem licitação de empresa de sócio do hospital, fechamento do setor de radioterapia para beneficiar estas clínicas, cobrança por tratamentos que não foram realizados. A Polícia Federal afirma que houve “conluio entre Adalberto Siufi e José Carlos Dorsa para desativação da radioterapia do HU, para encaminhamento dos pacientes ao Hospital do Câncer e, de lá, para a clínica”, do próprio Adalberto Siufi.
A estes, às suas clínicas particulares que atendiam pacientes que deveriam ser atendidos em hospitais públicos, não faltava verba, no entanto, quando se tratava de fornecer o medicamento para os pacientes, veja o relato de trecho das escutas telefônicas divulgadas pela Rede Globo de conversa entre a farmacêutica Renata Burale e a então administradora do Hospital do Câncer, Betina Siufi – filha de Adalberto Siufi:
Renata: Estou com uma prescrição aqui de um paciente do CTI, que a médica passou um antifúngico para ele. Essa doutora Camila que passa essas coisas cabulosas.
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Betina Siufi |
Renata: Então...
Betina: Nem f..., tá? Desculpa o termo.
Renata: A hora que eu vi isso aqui, vi o preço, eu falei: nã, nã, nã, nã, nã!
Betina: Nã, nã, nã, nã, não! [risos].
Estão ainda entre os investigados os médicos José Carlos Dorsa Vieira Pontes, que era diretor do HU da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, e Adalberto Siufi, que dirigia o HC.
Erro Médico
E como eram encobertos os erros médicos – erros que o Jornal Liberdade vem denunciando e sendo alvo de críticas e ações judiciais de representantes da classe médica? Vejam pelo diálogo gravado:
Médico: Como é que vai descrever aquela válvula transcateter que abriu a mulher lá?
Dorsa: Como é que foi?
Médico: Fez transapical e furou o ventrículo. Põe isso?
Dorsa: Não, não põe isso. Coloca que colocamos em extracorpórea. Entendeu?
Médico: Mas nós não colocamos em extracorpórea...
Dorsa: Eu sei, mas você vai falar por que abriu o tórax? Não pode falar que furou... né?
Tumores políticos
As escutas indicam que o governador André Puccinelli (PMDB) foi chamado para influenciar pelo fim das investigações e favorecer um encontro entre o procurador-geral de Justiça de Mato Grosso do Sul, Humberto Brites. O envolvimento não foi comprovado.
Toda a clã de apoiadores dos governos peemedebista demonstrou sua revolta contra a divulgação da operação e das gravações telefônicas. Isso ficou patente na atitude da Câmara Municipal que havia rechaçado por ampla maioria a criação de uma CPI da Saúde proposta pela vereadora Luiza Ribeiro (PPS). Bastou que o caso evoluísse a ponto de ameaçar arrancar a máscara dos, no mínimo, coparticipantes da trama, para que o próprio ex-líder do governo Nelson Trad Filho (PMDB) na Câmara, o obscuro vereador Flávio César (PTdoB)se arvorasse em paladino da justiça e conclamasse e criasse, com o apoio de outros 16 vereadores, sua própria e manipulável Comissão Parlamentar de Inquérito.
E assim foi feito e sacramentado sob as bênçãos do presidente da Casa, Mário César (PMDB) que tem por bandeira de trabalho uma desenfreada perseguição à administração do prefeito Alcides Bernal, e o amealhar de trocados que possibilitem pagar anos de atraso no aluguel e reverter o iminente despejo judicial.
Após reunião, foram definidos na sexta-feira (10) que a imparcial CPI será composta pelos vereadores Flávio César – líder do governo a ser investigado, Carla Stephanini (PMDB), Coringa (PSD), Cazuza (PP) e Marcos Alex (PT), e que terá 120 dias (prorrogáveis) para apurar as denúncias.
Na Assembleia Legislativa, muita movimentação e discursos chamando à moralidade e falas indignadas pela apuração das responsabilidades. Capítulo reprisado de uma novela conhecida.
Pela imprensa, tanto o governador quanto o ex-prefeito se eximem de responsabilidade. Como os diretores dos hospitais se dizem inocente a conclusão mais provável que a isenta CPI aponte como culpados aqueles que ousaram adoecer por câncer.
Defesa?
Nelsinho Trad declarou em nota que os hospitais do Câncer e Universitário não têm qualquer ligação com a administração pública municipal, contradizendo o governador do estado. “Causa estranheza esta posição dele, já que o próprio governador (André Puccinelli-PMDB) declara que a responsabilidade é da prefeitura”, questionou Luiza Ribeiro.
A verdade provoca medo
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Vereadora Luiza Ribeiro |
A informação seria essa, se não houvesse sido engendrado novo golpe nas investigações após jantar entre os mandatários do PMDB, e suspeitos de envolvimento que estão sendo apuradas pelas investigações, onde ficou definido que a presidência e relatoria da CPI estariam a cargo dos impolutos e isentos vereadores do grupo ligado aos coronéis peemedebistas.
O presidente da Câmara, Mário César, determinou que a vereadora Luiza Ribeiro não poderia ser indicada na vaga que o PT teria direito. Motivos tem, os mais obscuros; apoio na jurisprudência ele vai tentar encontrar.
Para surpresa dos incautos, inocentes, crentes, enfim, dos que ainda creditam honradez aos vereadores do grupo tutelado pelo governador André Puccinelli e seus asseclas, foram indicados Flávio César (PTdoB) para a presidência e Carla Stephanini (PMDB) relatora.
Assim como foi negado aos pacientes o atendimento digno e o remédio curador - que sobraram para curar os mortos - a vergonhosa atuação de uma quadrilha e a CPI irão continuar tratando com analgésicos o câncer dos hospitais tentando extrair o tumor político que grassa em Mato Grosso do Sul.
NOTAS
A secretária estadual de Saúde, Beatriz Dobashi, não pode explicar a dispensa de cinco equipamentos de radioterapia que viriam para Mato Grosso do Sul, apenas relatou que “o HU rejeitou por não ter verba para contratar equipe médica, assim como a Santa Casa”, mas que após o escândalo, o Estado apoiará a vinda dos aceleradores.
O ministro Alexandre Padilha determinou que o secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, Luiz Odorico Monteiro de Andrade, lidere Força Tarefa composta por técnicos da Anvisa, do Inca (Instituto Nacional do Câncer), coordenado pelo Denasus (Departamento Nacional de Auditoria do SUS) e pela área de câncer do Ministério da Saúde. Serão seis técnicos do Ministério da Saúde e mais auditores do Mato Grosso do Sul e de Campo Grande.
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