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O ministro Celso de Mello se queixa de ter sofrido "pressão da mídia". Terá sido ameaçado? Não. Quem lhe cobrou um voto contrário aos embargos infringentes - voto este que, se dado, praticamente encerraria o julgamento do Mensalão - tinha poder para obrigá-lo a obedecer? Não. Terá havido quem incitasse pessoas contrárias ao voto do ministro a agredi-lo, a cercar sua casa, a insultá-lo? Não: muitos lamentaram a posição de Celso de Mello, mas houve sempre o reconhecimento de que o voto, mesmo que o considerassem equivocado, tinha o devido embasamento jurídico. Então, que mané pressão, Excelência?
O que houve, sem dúvida, foi uma avalanche de opiniões contrárias aos embargos infringentes. Opiniões juridicamente respeitáveis, tanto que compartilhadas por cinco dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal; e, rejeitadas essas opiniões, a decisão, como não poderia deixar de ser, foi acatada. Muita gente a lamentou (outros tantos a louvaram), mas a questão acabou ali.
A opinião pública pode perfeitamente divergir do entendimento de um juiz, mesmo que seja ministro do Supremo. A divergência pode ser estridente. Não pode ser desrespeitosa; não pode ser insultuosa. Mas não há limite para o barulho, a menos que se adote a censura à imprensa. Como não houve limite para o barulho contra o ministro Gilmar Mendes, no episódio em que concedeu habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas, nem contra o ministro Joaquim Barbosa, em seu duelo com o ministro Ricardo Lewandowski. Nem contra, a propósito, o ministro Lewandowski, que foi incansavelmente atacado e jamais se queixou.
O ministro Carlos Ayres Britto, que se aposentou durante o processo do Mensalão, disse que nunca se sentiu pressionado no Supremo Tribunal Federal. Foi a mesma opinião de Gilmar Mendes e de Marco Aurélio: ouvir as ruas faz parte do jogo e o ministro não é obrigado a mudar sua opinião em virtude de eventual clamor público. Um ministro do Supremo não pode ser demitido, nem ter o salário reduzido, nem ser transferido para alguma aprazível localidade pouco habitada em que a temperatura média seja de 40 graus à sombra, quando há sombra. Tem essas garantias exatamente para que ninguém, nem os poderosos, possa pressioná-lo.
Na época da ditadura houve cassações de ministros do Supremo, houve mudanças no número de ministros, tudo para facilitar a imposição ao país da vontade dos ditadores. Mesmo nesse clima, o ministro Adaucto Lúcio Cardoso votou contra as ordens dos militares; e, quando sentiu que não havia mais condições de resistência, tirou a toga, atirou-a na cadeira e foi para casa.
No fundo, o que o ministro Celso de Mello achou ruim foi a expressão livre de opiniões com as quais não concordava. Mas liberdade, como é sabido, é a liberdade de quem pensa diferente de nós. Liberdade de imprensa a favor não é liberdade; o nome é outro, daquele cordão famoso que cada vez aumenta mais.
A pressão das ruas
Mas, de qualquer forma, o ministro Celso de Mello tocou num ponto importante. Especialmente nos casos de júri, a opinião pública é fundamental: há casos em que não há condições de absolvição, tamanha é a estridência com que a culpa dos acusados é passada aos jurados. E jurados não são juízes, não têm garantias constitucionais, não são preparados para separar o que é fato daquilo que é apenas barulho. Há algum tempo, quando o clima local era hostil aos réus, o julgamento por júri era transferido para outra cidade. Hoje, com a globalização das comunicações, de que adianta transferir um júri de uma cidade para outra?
Este, sim, é um tipo de pressão que precisa ser analisado por especialistas. Este colunista não tem qualquer opinião sobre o que pode ser feito (só sabe o que não pode ser feito: censurar a imprensa, censurar o noticiário). Mas já ouviu pessoas inteligentes e bem preparadas afirmando que o júri, o julgamento de um réu por seus pares, por pessoas como ele, talvez tenha de ser modificado ou até mesmo extinto. Um jurado não pode, por exemplo, comunicar-se com seus colegas de júri, para evitar que a opinião de um influencie a do outro; não pode ler jornais ou revistas nem ouvir o rádio; TV e Internet, nem pensar. Mas, hoje, a menos que os jurados sejam confinados meses antes do julgamento, esperar que alguém seja influenciado apenas por advogados e promotores e decida conforme o que consta nos autos talvez seja muita ingenuidade.
(*) Especial, Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br), Circo da Notícia, 1º de outubro/2013
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