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sexta-feira, 11 de abril de 2014

Desistência do André: facilita ou dificulta?

por Marcelo de Moura Bluma (PV)

A desistência do Governador André em ser candidato ao Senado nas eleições estaduais deste ano, deixou o meio político perplexo, uma vez que todos davam como certa a sua renúncia ao governo estadual em busca de um mandato no Senado com as respectivas regalias,  benefícios e privilégios que aquela Casa confere aos seus ocupantes.
Não tenho a menor dúvida que era esse o seu maior desejo. Basta observar as suas ações nos últimos meses: viagens frequentes aos municípios do interior, aparições nos bairros de Campo Grande, gastos cada vez maiores com publicidade e propaganda na mídia estadual, e pesquisas eleitorais alardeando sua superioridade eleitoral, bem como a aprovação popular ao seu governo.
Muito embora o “script” profissional e competente, bem ao estilo Puccinelliano, tenha sido executado, esbarrou no único componente impossível de ser controlado – motivo da minha recalcitrante fé na democracia – a opinião pessoal do cidadão comum.
Nesse sentido, é fato que o Governador não tem mais a aprovação de outrora quando administrava Campo Grande com mãos de ferro passando por cima de tudo e de todos sem sofrer qualquer abalo em seu prestígio popular.
Agora, os tempos são outros e com certeza o resultado de pesquisas qualitativas mostraram que sua candidatura ao Senado seria uma empreitada de altíssimo risco, risco esse, agravado após o golpe político sofrido pelo ex-Prefeito de Campo Grande, cuja autoria intelectual a população credita a sua pessoa.
Superada a candidatura de André Puccinelli, a pergunta que se faz é a seguinte: facilita ou dificulta a candidatura do Senador Delcídio ao governo do Estado?
Essa é uma resposta difícil que só o tempo dirá, mas é possível fazer algumas conjecturas acerca de uma eventual chapa formada por Nelsinho e Simone como governador e senadora, respectivamente.
Uma delas, que reputo favorável, é que a foto fica com muito mais cara de nova. Sem dúvida, a presença da Simone na chapa majoritária ajuda muito ao Nelsinho, uma vez que a rejeição da Vice-Governadora é pequena, diferentemente do André que agrega mais rejeição popular além da imagem de uma proposta velha e decadente.
A outra, desfavorável, é o desânimo dos aliados do PMDB causado pela desistência do André, não por conta de sua candidatura em si, mas pelo interesse na estrutura – dinheiro mesmo – que ele deveria proporcionar para alavancar a candidatura ao Senado. Nesse sentido, é inegável que a maioria dos aliados estavam muito mais preocupados com as moedas de ouro.
Assim, com as convenções ocorrendo somente em Junho, ainda é muito cedo para se tirar conclusões sobre perdas e danos, sendo conveniente se ter muita calma nessa hora, afinal, cautela e canja de galinha nunca fez mal a ninguém.

terça-feira, 8 de abril de 2014

"Dói na Alma ler um relato desses"...

Heberson,


Nem sei como te dizer isso. Tateio pelas palavras certas há horas – elas me escapam. Claro que você já foi avisado e até leu no noticiário local, mas eu queria pedir desculpas. O governo do Estado do Amazonas questionou o valor da sua indenização. É, eles acham R$ 170 mil um valor muito alto pelos quase três anos em que você passou na cadeia, acusado de um estupro que não cometeu. Querem pechinchar pelo vírus HIV que infectou o seu corpo após os abusos sofridos atrás das grades. Seu sofrimento está “caro demais” para os cofres públicos. Como se algum dinheiro no mundo pudesse apagar o que você viveu.

Até hoje, como naquele dia em que te entrevistei, sinto minhas tripas se revirarem. Lembro de você contando que tinha 23 anos e trabalhava como ajudante de pedreiro na periferia de Manaus quando o crime aconteceu. Uma menina de nove anos, filha de vizinhos, havia sido arrastada para o quintal durante a noite e violentada. A família o acusou de tamanha brutalidade e a delegada expediu um mandado de prisão provisória para investigar o caso. Você, que não tinha antecedentes criminais. Você, que divergia completamente do retrato-falado. Você, que estava em outro lado da cidade naquele horário. Mas você é pobre, Heberson. Pobres são presas fáceis para “solucionar o caso” e atender o clamor popular. As vozes que te xingaram ainda ecoam?

“Eu morri quando me fizeram pagar pelo que não fiz”, você disse, me matando um pouco também sem saber. Em tese, por lei, você não poderia ficar mais de quatro meses aguardando julgamento na cadeia. Sua mãe, desesperada, pegou empréstimos para bancar advogados particulares. Mesmo sem comida em casa, a dor no estômago era por justiça. Não dava para contar com a escassa quantidade de defensores públicos no país (embora, depois, a doutora Ilmair Faria tenha salvo o seu destino). Enquanto ela se rebelava aqui fora, você se resignava com os constantes abusos sexuais de que era vítima. Alegar inocência sempre foi a sua única arma. De que forma lhe deram o diagnóstico de Aids?

Sabe, querido, eu gostaria de ter presenciado o parecer do juiz na audiência que demorou dois anos e sete meses para acontecer. Deve ter sido um discurso bonito. Juízes usam frases empoladas, especialmente para se desculpar em nome do Estado por um erro irreparável. Onde estava a sua cabeça no momento em que ele declarou que você estava “livre”? Porque eu me pergunto como alguém pode supor que liberta o outro de suas memórias, de suas dores, de sua desesperança, de uma doença incurável. Você continua preso. Tanto que passou anos sem conseguir emprego por causa do preconceito e perambulou pelas ruas sob o efeito de qualquer droga que anestesiasse a realidade. Livre para ser um morto-vivo.

Na sala do meu apartamento, há um troféu de direitos humanos que ganhei por trazer à tona sua história. Olho para ele e enxergo a minha impotência. E os ossos saltados da sua pele. Com vinte quilos a menos, as suas roupas parecem frouxas demais – quanto você perdeu além do peso corpóreo? Imagino se a Procuradoria Geral do Estado (PGE), que negou o pedido da sua indenização, sabe das suas constantes internações decorrentes da baixa imunidade. Será que alguém abriu a porta da sua geladeira e descobriu que, muitas vezes, você passa um dia inteiro tendo se alimentado de um único ovo? Ou será que eles se restringem a documentos e números?

Não consigo deixar de pensar que você foi estuprado de novo. Pelas canetas reluzentes de quem toma essas decisões descabidas. Você levou sete anos para ressuscitar a sua determinação e cobrar os seus direitos. Em parte, motivado pelo apoio das 23 mil pessoas que aderiram a uma campanha virtual pela sua história. Toda semana recebo mensagens de gente querendo saber sua situação, se oferecendo para pagar uma cesta básica ou dar assistência jurídica. Recentemente, um professor criou um grupo que mobilizou mais de mil cidadãos para ajudá-lo até com despesas de medicamentos. Minha última pergunta (eu, que não tenho respostas) é: O que mais nós podemos fazer por você, já que o Estado não faz?

Que o meu abraço atravesse a geografia entre São Paulo e Manaus.

Sinto muito, querido.

Nathalia Ziemkiewicz
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