Recebemos uma
mensagem de Débora Araújo relatando que um site com temática de Direito, que se
propõe ser engraçadinho, publicou um texto machista sobre o caso Fran. Após
muitas reclamações por parte de leitoras e leitores, o dono do site decidiu
abrir espaço para quem discordou. Débora, Mariana Czepeula e Irina Nigg se
organizaram e escreveram um texto, contra a culpabilização da vítima, que foi
publicado no mesmo site, no dia 21 de outubro. O texto recebeu apoio de várias
pessoas, porém, ao verificar que o texto das "reclamonas" fazia
sucesso e estava tendo repercussão, perfis falsos no Facebook foram criados
para criticar a publicação. Ao confrontarem o dono do site, elas tiveram seu
texto apagado. Por isso, republicamos o texto e repudiamos atitudes que
culpabilizam vítimas de violência.
Texto de Débora Araújo, Irina Nigg e Mariana Czepula
"hipocrisia
sf (gr hypókrisis+ia1) Manifestação de fingidas virtudes."
Nos últimos dias fomos todos apresentados à Fran. Não que ela tenha dado
alguma entrevista, feito uma participação na novela ou gravado um disco. Fran,
a menina de Goiânia, fez sexo. Isso mesmo. Sexo. E por isso virou o assunto da
vez e está pagando um preço que nunca imaginou pagar.
Em que momento os valores morais da nossa sociedade se inverteram ao
ponto de um vídeo banal de uma mulher fazendo sexo despontar na internet e, ao
invés de questionarem o mau caráter de quem expôs a garota publicamente,
questionam a mulher? Quando começou a fiscalização da sexualidade alheia? O
fato de que a moça se deixou filmar não significa que ela mereça toda a
exposição que vem sofrendo, tampouco a humilhação pelo homem ser casado. Fran
não assumiu um compromisso de fidelidade, ele sim. Porém, não se espera que os
machistas de plantão entendam isso.
O julgamento (como se estivéssemos na era medieval) veio por todos os
lados: '"puta"; "deixou-se filmar" ; "vadia";
"estava pedindo"; "quando você se filma fazendo sexo está
assumindo que esse vídeo possa cair na internet"; "É preciso se dar
valor". Ora, a sexualidade não é da mulher por direito?
Fran, a menina que faz sexo, foi massacrada. Moralmente atacada de todas
as formas. Virou meme, saiu do emprego, parou de estudar, não pode mais sair às
ruas. Sua família foi exposta. E por qual razão? Ela é mulher, e repita-se, faz
sexo. Ela confiou no seu parceiro (amigo, amante, namorado, ficante, cliente).
O relacionamento, seja ele qual for, não compete a ninguém de fora. Portanto, o
acordo foi quebrado.
São
lamentáveis os textos e comentários grotescos/hediondos/nojentos que circulam
pela internet, a terra de ninguém. É lamentável porque são feitos por homens,
mulheres, juristas, gente "estudada", que, a princípio, deveria ter
um entendimento mais amplo sobre as coisas. Será que fazem parte do grupo que
acredita que "saiu de sainha, não é mulher honesta, pediu pra ser
molestada"? Isso assusta.
Vivemos em uma época em que o consumismo de informação ultrapassa os
limites da privacidade, bom senso e, nesse caso específico, superaram a noção
de humanidade. Dá medo viver nesse esquema de "ande na linha,
senão...".
E não venha nesse momento gritar "feminista!"; defender a Fran
é defender a todos. Qualquer pessoa poderia passar por uma situação dessas.
"Ah, mas não me deixo filmar fazendo sexo". Parabéns. Você pode ser
filmado sem saber ou, talvez, ser filmado em qualquer outra situação que não
seja na cama e acabar também se tornando vítima de uma situação de humilhação.
Não é engraçado ser exposto publicamente. Não se deixe enganar: todos somos
suscetíveis a passar por isso. A hipocrisia não tem preconceitos, é democrática
e pode atingir qualquer um.
Esses dias surgiu um projeto de lei conhecido como "Lei Maria da
Penha Virtual", em que a violação da intimidade da mulher na internet, com
a divulgação de imagens, vídeo, áudio, dados, montagens ou qualquer coisa do
gênero, obtidas durante a relação doméstica, sem o consentimento, deverá ser
punida e combatida nos termos da Lei Maria da Penha. Não por acaso, numa
pesquisa no site Vote na Web, 67% dos homens são contra e 86% das mulheres a
favor. Coincidência? Pior são os 14% de mulheres que também são contra. A
depreciação latente da mulher em cima da outra só traz atraso, ocupa o quadro
da arrogância e mal percebe que diminuindo a outra só diminui a si própria.
Fran é vítima da estupidez do ser humano, não precisa ser perdoada.
Fazer sexo e filmar, como uma brincadeira, algo que excita e dá prazer para o
casal não é crime; divulgar tais imagens sem o consentimento de quem elas
retratam é. A cretinice é de quem vaza, é de quem compartilha e é de quem faz
graça.
Hoje, Fran agradeceu no Facebook o apoio que tem recebido:
Bom dia... Eu sou Fran e estou aqui para agradecer o apoio de todas as
34.972 pessoas que estão ao meu lado, que souberam se colocar no meu lugar e
entender tudo que estou passando... É muito bom saber que ainda existem pessoas
capazes de amar o próximo sem juga-lo e sem condena-lo! Quero dizer que li e
continuo lendo todos os comentários e mensagens possíveis, a força que estou
recebendo, as outras "FRAN'S" que passaram por isso, que tem
histórias parecidas que conseguiram superar. Espero que agora conseguimos todos
juntos lutar pelo direito da mulher, o direito de amar e não ser julgada, o direito
de uma lei especifica para que as próximas vitimas não sofram e não passem pelo
que passei, não desejo a ninguém isso e se depender de mim vou fazer o possível
para ajudar a Lei Maria da Penha virtual sair do papel, para que crimes como
esse não se tornem "piadinhas " de pessoas que não sabem direito da
situação, que contribuem para essa sociedade podre a qual vivemos! Obrigado
gente, do fundo do meu coração obrigada, vocês não sabem o quanto a ajuda de
vocês foi importante ! Beijo e que Deus possa abençoar cada um de vocês todos
os dias ! Fiquem com Deus.
Débora Araújo tem 28 anos. É advogada, mineira, atleticana (GALO!!!),
beatlemaníaca e avessa à gente babaca.
Irina Nigg tem 23 anos. É designer, neurótica, exagerada e
anarcafeminista.
Mariana Czepula tem 28 anos. É contadora e uma neurótica vivendo em um
mundo clichê e hipócrita.
Fonte: Blogueiras Feministas