Referência na área, Centrinho-USP teve papel ativo na
efetivação dessa política pública
Por Tiago Rodella, jornalista HRAC/Centrinho-USP
Hoje o sentimento é de alívio,
alegria, gratidão, bem diferente do “aperto no coração” de meses atrás. Quando
o pequeno Emanuel Feitosa Viana nasceu, em 07 de julho de 2018, em Araguaína,
município localizado no norte do Estado do Tocantins (TO), sua condição trouxe
grande preocupação para a família.
“Ele
nasceu roxo, não conseguia respirar. Teve várias apneias. Era uma angústia. Na
maternidade, os médicos faziam de tudo, mas eram bem sinceros com a gente e não
nos davam muita esperança. Pesquisaram e descobriram o Centrinho em Bauru.
Viemos transferidos de avião. O Emanuel chegou ao Centrinho com um mês e 20
dias de vida”, relata a dona de casa Maurina Feitosa de Sousa, 27, mãe de
Emanuel.
Após
a internação, primeiros cuidados e avaliação com a equipe multidisciplinar, com
dois meses, a criança passou por procedimento para receber um distrator
osteogênico, aparelho utilizado no tratamento de deformidades crânio e
bucomaxilofaciais congênitas ou adquiridas, que acaba de ser incorporado pelo
Sistema Único de Saúde (SUS).
Emanuel
teve diagnóstico de Sequência de Pierre Robin, condição clínica caracterizada
por três sinais clássicos: micrognatia (queixo pequeno), glossoptose (queda da
língua para trás) e fissura de palato (céu da boca aberto), com ocorrência de
um a cada 8.500 nascidos. Essa condição ocasiona dificuldade respiratória e
alimentar para o recém-nascido, podendo gerar graves crises de asfixia,
desnutrição, ou até mesmo levar à morte, se não socorrido adequadamente.
Após
a colocação do distrator, a família pôde voltar à zona rural da pequena cidade
de Xambioá – próxima à Araguaína e distante cerca de 500 quilômetros da capital
Palmas – e o pequeno, enfim, conhecer o lar.
Agora,
com sete meses de vida, Emanuel e a mãe estão de volta ao Hospital de
Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da USP, em Bauru, para
a retirada do distrator. Nos corredores, o pequeno, sempre sorridente, é muito
querido pela equipe, demais pacientes e familiares.
Maurina
comemora a melhora do filho: “O Emanuel é uma benção de Deus em nossas vidas. É
super ativo, risonho, não dá trabalho algum. Agora respira e se alimenta bem.
Aqui, começou até a comer papinha. Ele não teve sangramento, inflamação e o
aparelho não o atrapalhou para brincar. Somos muito gratos a todos daqui que
nos acolheram e cuidaram muito bem”.
Após
a retirada do distrator, a família deverá retornar para o Tocantins e voltar ao
Centrinho-USP depois que Emanuel completar um ano, para cirurgia reparadora do
palato.
Incorporação no SUS
O distrator osteogênico, aparelho utilizado na reabilitação do pequeno Emanuel, acaba de ser incorporado no âmbito do SUS. A Portaria Nº 6 da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde, que incorpora a tecnologia no SUS, foi publicada no Diário Oficial da União no dia 19 de fevereiro de 2019.
Para
o professor Cristiano Tonello, chefe técnico da Seção de Cirurgia Craniofacial
do Centrinho-USP e docente do Curso de Medicina da FOB-USP, “a disponibilização
dos distratores pelo SUS é um grande avanço, pois possibilita a alguns
pacientes a melhor alternativa de tratamento, especialmente para recém-nascidos
com desconforto respiratório e alimentar com graves deformidades congênitas do
crânio e da face”.
Tonello
explica que “diferentes condições clínicas, na sua maioria sindrômicas,
apresentam deformidades craniofaciais em que os métodos convencionais de
tratamento não são capazes de corrigir funcional e esteticamente. A aplicação
clínica da distração osteogênica baseia-se essencialmente na correção das
hipoplasias graves [alterações no desenvolvimento] dos ossos faciais,
especialmente as hipoplasias mandibulares e as do terço médio da face”.
Segundo
Tonello, “essa modalidade de tratamento permite ainda melhora respiratória e
alimentar em algumas condições clínicas, além de evitar procedimentos cirúrgicos
com maior impacto na qualidade de vida do paciente, como a traqueostomia
[abertura cirúrgica na região do pescoço para permitir a respiração]”.
“A
distração osteogênica é um processo dinâmico que consiste no alongamento do
esqueleto da face e de partes moles na região. Esse alongamento é obtido pela
tração gradual aplicada em duas superfícies ósseas após corte cirúrgico da
estrutura, por meio do dispositivo mecânico denominado distrator, para
estimulação de formação óssea. Esses dispositivos podem ser internos, unidos
aos ossos, ou externos, quando parte do aparelho fica aparente, junto à pele”,
explana.
Centrinho-USP: papel ativo
Referência nacional e internacional na pesquisa e reabilitação das anomalias craniofaciais, o Centrinho-USP teve papel ativo na efetivação dessa política pública.
“Essa é uma demanda que o Centrinho
tem apresentado ao Ministério da Saúde há aproximadamente dez anos. Desde 2013,
membros da equipe multidisciplinar do Hospital têm atuado na consultoria
técnica especializada da Conitec para esse assunto. Em agosto de 2018,
apresentamos, junto à Comissão, na OPAS em Brasília [Organização Pan-Americana
da Saúde, órgão ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS)], relatório técnico
embasando a recomendação pela incorporação do distrator osteogênico no SUS, com
evidências tanto científicas como clínicas”, relata o professor Cristiano
Tonello.
“Como
centro de excelência que preconiza as melhores práticas terapêuticas e uma
formação atualizada, o HRAC tem realizado a distração osteogênica desde 2010
[sob a coordenação do professor Nivaldo Alonso, docente da Disciplina de
Cirurgia Plástica da FMUSP e coordenador da equipe de Cirurgia Craniofacial do
HRAC-USP], pelo entendimento de estar de acordo com as evidências científicas e
pela experiência clínica com resultados satisfatórios nos pacientes submetidos
a esse tratamento na instituição”, ressalta.
Por
esse entendimento, apesar da não disponibilização dessa tecnologia pelo SUS até
o momento, o Centrinho-USP, somente no ano de 2018, disponibilizou 47
distratores osteogênicos, o que representou um custo aproximado de R$
740.000,00 para a Universidade de São Paulo apenas com os distratores, sem
considerar custos hospitalares e de equipe multiprofissional.
O professor José Sebastião dos Santos,
superintendente do HRAC-USP e coordenador do Curso de Medicina da FOB-USP,
destaca que “esse avanço no aperfeiçoamento da assistência para situações muito
complexas é resultado da cooperação do Centrinho e da Universidade na busca da
melhor relação custo/efetividade dos tratamentos para os usuários e para o
Sistema Único de Saúde”.
De
acordo com a Portaria da SCTIE publicada em 19 de fevereiro, o prazo máximo
para efetivar a oferta ao SUS é de 180 dias (seis meses), e a indicação e
disponibilização ocorrerá conforme protocolo do Ministério da Saúde.
Foto Capa: Dr. Cristiano Tonello HRCA-USP e Thiago Rodella / Foto interna: Dr. Cristiano Tonello.