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sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

HIPOCRISIA VIRTUAL

O rosto oculta o que o coração sabe


Nada é mais falso do que uma verdade estabelecida. (Rui Barbosa).

Se o que está estabelecido é uma rede “social” que facilite os contatos, aproxime as pessoas e amplie o universo de amigos, tudo correto, mantemos a mesma hipocrisia que cercam templos religiosos, ambientes de trabalho, clubes... mantemos nossa rotina de mentiras e falsidades. Mentiras e falsidades? Podemos crer que retratamos num desespero surdo, o mundo que já não cabe dentro de nós. Gostamos de animais, crianças e lutamos pelos desprotegidos. Nos indignamos com as injustiças e até aceitamos convocações para manifestações cívicas.


Tudo é tão falso quanto a atribuição da frase acima para Rui Barbosa, quando na verdade o frasista é Millôr Fernandes. Erros de atribuições onde se conferiu citações de Cecília Meireles ao padre Zezinho, Machado de Assis fala sobre coisas acontecidas décadas após sua morte e por ai vai. Podemos até atualizar o poema Autopsicografia de Fernando Pessoa, substituindo a palavra “poeta” por ‘navegante do facebook”: O poeta é um fingidor. / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente. // E os que lêem o que escreve, / Na dor lida sentem bem, / Não as duas que ele teve, / Mas só a que eles não têm. // E assim nas calhas de roda / Gira, a entreter a razão, / Esse comboio de corda / Que se chama coração.

O rosto enganador deve ocultar o que o falso coração sabe. (William Shakespeare). E este rosto enganador pode não ser a real face de quem navega. Falamos com um, mirando no olhar estático de outro. Imagens nos substituem.

Ali, somos heróis defensores da Justiça, mas também somos bocas, caras, seios e bundas. Uma enorme vitrine de almas e corpos. Alguns levam tão a sério que rompem amizades e laços familiares, outros não lhe dão a menor importância. O mercado descobriu este consumidor de portas e mentes abertas, convidativo e indefeso. O que era uma rede social logo se transformou numa enorme vitrine de inutilidades.

Como não poderia deixar de ser, Deus está presente nas mais diversas postagens. O meu, o seu, o dos outros, juntos com a negação dos ateus. Deus é um grande mercado e nessa hipocrisia consentida seu santo nome atribui, em vão, qualidades que não carregamos.

Talvez seja menos uma hipocrisia e mais um enorme biombo, detrás do qual gritamos por um mundo que não conseguimos ter. Quase como quando se lê Drummond, Pessoa, Vargas Llosa, Vinicius... um querer estar ali, naquelas linhas, tomados do mesmo sentimento.

Chegamos à pieguice de supor que crianças doentes, adultos moribundos e a própria miséria serão amparados em generosas doações por compartilhamentos, cutucadas, curtidas. Essa concepção de esmola cibernética retoma o velho hábito de comprar as portas do céu, nos eximindo de nossas responsabilidades sociais.

Talvez o grande problema do mundo virtual é o fato de não ser exclusivo e único. Existe uma realidade que nos assombra quando saímos da frente do computador, de dentro do facebook e caímos na mesma rotina. Deixamos a perfeição e vivenciamos nossos erros, nossos preconceitos, racismos, intolerâncias.

Todo o amor compartilhado e as assertivas de justiça e ética, não resistem à dura realidade da concorrência pela vida.

Mas não é só de amores e seres perfeitos que vive nosso mundo virtual. Quem não presenciou, ainda, as trocas de farpas entre concorrentes, as invejas dissimuladas, os mal-quereres disfarçados?

Os políticos descobriram as redes e, como tudo o que tocam, conseguiram conspurcá-la. Ataques e autoelogios convivem num mesmo espaço. Essa virtualidade das benevolências  e competências por momentos nos leva a crer que presenciamos e vivenciamos num mundo só nosso, com suas imperfeições, sujeiras, buracos, misérias. Afinal, tudo o que fazem e fizeram melhoraram tanto nossa qualidade de vida. Os que saíram dizem que os que estão destruíram as cidades, os que estão dizem que salvaram a cidade da destruição.

A hipocrisia do facebook é igual à hipocrisia da nossa realidade, nosso cotidiano de religiões, políticas, empregos, estudos...

Por vezes é melhor, porque nosso cérebro vive por instantes a virtualidade dessa realidade subjetiva. Estamos em nosso mundo perfeito, sem arrotos, sem flatulência.

O facebook, no dizer de Eduardo Cabral, é “A Tecnológica Reinvenção da Solidão”. Nos fechamos nisso, queremos isso. Assim como um livro no silêncio ou um filme na sala de cinema, somos os senhores de nosso mundo, perfeito.


Tudo é novo. Tudo é excesso. Até que se ajusta.

Houve tempos em que atores de novelas eram abordados nas ruas e agredidos por palavras ou mais, quando interpretavam os vilões; e consolados e agraciados quando eram os pobres mocinhos e mocinhas que sofriam as agruras das maldades alheias. Isso acabou. Aquela virtualidade antiga dos pais e avós, sofrendo , sorrindo e vivendo a vida de seus heróis/vilões, hoje é um grande anedotário.

Assim será com as redes sociais. O exagero que se ajusta, porque nada muda nossa realidade de pessoas sórdidas ou não. Agiremos da mesma forma sempre, com nossos preconceitos e nossas imperfeições, buscando nas mais diversas fontes o perdão que não nos permitimos.
E ficará em nós um pouco das coisas recebidas, um tanto dos lamentos dos negros, dos brancos, dos amarelos e vermelhos. A rede veio para ficar e escancarar as verdades. Para os observadores poderem pesar a diferença entre discurso e prática; para os noticiários serem desmentidos, para que a miséria humana tenha suas vísceras expostas.

Para o bem ou para o mal. Como sempre, desde tempos imemoriais, seu livre arbítrio lhe conduzirá.

3 comentários:

Lenita Marques disse...

Rolou uma vez no twitter: "ser popular no facebook é como ser milionario no banco imobiliario". Exatamente isso: pura ilusão.
E o mais absurdo, ou o mais triste, ou os dois, é quando o "navegador do facebook" se condena à solidão ao abdicar de relacionamentos profundos e verdadeiros pra mergulhar de cabeça nesse universo "genuinamente fake", de sentimentos e relacionamentos idem. Tudo absolutamente superficial e fútil, nessa imensa feira de vaidades, onde cada um procura expor aquilo que o outro (ou outros) querem ver e comprar como reais.
Mas, copiando sua próprias palavras, "seu livre arbítrio lhe conduzirá."

Lenita Marques disse...

Rolou no twitter: ser popular no facebook é o mesmo que ser milionario no banco imobiliario. Exatamente isso: pura ilusão.
Mas o mais trágico, ou o mais triste, ou os dois, é o "navegador do facebook" se condenar à solidão ao abdicar de relacionamentos profundos e reais, e por isso mesmo verdadeiros para mergulhar de cabeça nesse universo "genuinamente fake", com relações e sentimentos idem.
São relacionamentos totalmente superficiais, em uma feira das vaidades onde se expõe o que os outros ( ou O outro) quer ver e comprar como real.
Copiando suas próprias palavras, "seu livre arbítrio lhe conduzirá."
Talvez seja o preço a se pagar para conseguir (sobre) viver nesse mundo de aparencias.

Anônimo disse...

Então o general Pompeu foi profético ao proferir a famosa frase, eternizada por Fernando Pessoa:
"Navegar" é preciso, viver não é preciso. rsrsrs