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quarta-feira, 24 de abril de 2013

Os talibãs da moral alheia - Carlos Brickmann

Perfeito o texto do Carlos Brickmann, que reproduzo aqui, inchado de inveja boa pela qualidade do texto e precisão do argumento.

"Maurício de Sousa, o grande desenhista dos quadrinhos brasileiros, recebeu prêmio da ONU por sua campanha contra o racismo, foi símbolo revolucionário no Timor Leste (que, como colônia revoltosa da Indonésia, estava submetida à proibição de falar sua língua, o Português), transformou-se num ícone no Japão com o pacífico dinossauro Horácio. E é o demônio em forma de gente para um grupo de fiscais da moralidade dos outros, um instituto mantido por herdeiras de um grande banco e que já o denunciou, entre outros crimes, por aceitar propaganda em suas revistas e ser um dos responsáveis pela obesidade infantil no país. Responsável pela obesidade infantil por aceitar publicidade de produtos que, considera o instituto, têm baixo valor nutritivo (este colunista, a propósito, não gosta desse tipo de produto, e é gordo do mesmo jeito); e, caso não aceitasse propaganda em suas revistas, como é que sobreviveriam? 

Este tipo de questão não incomoda o instituto denunciante: o objetivo não é buscar soluções para problemas que identifica, mas denunciar quem acredita em outras ideias.

Denunciar, aliás, é a palavra exata: não se trata de um debate, de uma polêmica, de uma divergência de ideias. Trata-se efetivamente de denúncias ao Ministério Público, visando compelir o desenhista a fazer o que o instituto manda e a desistir de fazer o que o instituto condena.

O problema do instituto, diga-se a bem da justiça, não é Mauricio de Sousa: é todo esse pessoal que faz coisas sem pedir licença. Já brigaram com o McDonald’s, por oferecer brinquedos gratuitos a quem compra determinados sanduíches (e, no caso, o colunista é absolutamente isento: só come sanduíches dessas redes internacionais de fast food se não houver mais nada para substituí-los); e com a Ferrero Rocher, por colocar um brinquedinho dentro do Kinder Ovo. Agora estão brigando com um cliente de Maurício de Sousa: a Vedacit, por ter lançado uma linha de impermeabilizantes com - veja só que coisa nefanda, terrível!- nomes de personagens da Turma da Mônica. 

Qual a alegação? Que a Turma da Mônica não combina com produtos químicos, como os impermeabilizantes (quem faz publicidade para a Vedacit certamente não concorda com essa análise - e, além do mais, escolher personagens que nada têm a ver com o produto pode prejudicar o produto, não a sociedade). Que mais? "Entre os muitos abusos cometidos pela empresa, um dos mais graves é promover um produto químico para o público infantil. É inadequado, já que as crianças sequer devem manusear os produtos".

E quem diz que são as crianças que compram impermeabilizantes, ou que os manuseiam? Normalmente, quem escolhe o impermeabilizante é o empreiteiro da obra; e, quando o próprio contratante escolhe o produto, não é ele que o aplica, nem seus filhos ou netos. 

O curioso é que, quando o banco do qual as mantenedoras do instituto são herdeiras usa bebês na publicidade, aí não surge qualquer protesto: no caso, vale o trabalho infantil, vale o bebê ficar sob luzes fortes, vale uma pessoa que ainda não tem idade para saber o que está fazendo emprestar sua imagem para uma empresa vender seus produtos. 

Como não diz o provérbio, cisco no olho dos outros é colírio."

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