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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Penteadeira de Puta

Vanda Ferreira

Roda de amigos é uma delicia de roda de prosa, rica em sinceridade e espontaneidade. Em roda de amigos rola prosa de inusitados temas onde todos falam e todos escutam. Acredito que a realeza de terapia em grupo é de incomparável resultado de roda de amigos porque todos falam, sem rodeios, de inesquecíveis momentos, saudosos ou não, disputando a vez para falarem de passado, presente e futuro. Tipo um confessionário descompromissado com o pudor. 

Certa vez, em uma pequena roda de prosa, animado o papo fluía escancarando segredos. Um dos amigos contava lembranças de sua mocidade, os flertes, as paqueras, e suas traquinices com as mulheres. Contava episódios engraçados e todos se divertiam, riam, especulavam sobre detalhes sórdidos da época de travessuras de homens jovens na década de 60, em especial sobre as “Casas de tolerância”, as “Zonas de baixo meretrício”, os “Puteiros”. 

Tudo contado com riqueza de detalhes, em especial quando se referia às “mulheres da vida”, as prostitutas. Aquele papo me despertou a curiosidade e fiquei atenta aos causos daquele amigo, cujas histórias explicitavam sua iniciação sexual, que, até então, nunca havia ouvido de ninguém, depoimento de tamanha envergadura intima, inda mais imaginado que havia tanta graça nas histórias masculinas.

Devaneei e fui imaginando cenários, decorações, vestuários e as casas de prostituição, as ditas Zonas. Vislumbrei os grandes salões barulhentos, sedutores de uma sociedade hipócrita em um particular mundo de plena felicidade masculina.

Em certo momento ouvi o amigo protagonista fazer referência à penteadeira de puta, que, segundo o referido amigo, era farto de produtos de beleza.

Vislumbrei a penteadeira antiga: um abarrotado móvel-aparador com enorme espelho oval emoldurado na parede, cujo aparador era atulhado de maquiagem, caixinhas encantadas, potes de cremes mágicos, coleção de batom de todas as cores e de todos os sabores, sobrecarregada de pentes, outros objetos para cabelos, e de sabonetes perfumados.

Vislumbrei o vaporizador de perfume revestido com fino tecido de seda ou de tule e uma peninha cor-de-rosa no gargalho do redondo frasco de vidro furta-cor. E os cheiros? Florais! Jasmim, rosa, violeta.

E, então, conectei-me àquele cenário genuinamente feminino e revi meus cosméticos, meus perfumes, minha coleção de batom, de pentes, e de xampus, presilhas de cabelo, colares e brincos, e anéis, e sabonetes líquidos e em barra, além de saches e aromatizantes. Tenho uma verdadeira coleção de tudo, bem semelhante à penteadeira descrita pelo amigo, a “penteadeira de puta” segundo o tal amigo. 

Ufa, sim, tenho e adoro.

Gente! Há uma puta em mim? Tenho um lado puta? Eis a indagação, e eis a resposta que encontrei em mim e em outras mulheres:


Coisa de mulher é coisa de mulher. Independente de ser ou não puta, mulher investe em beleza, prezando pelo belo e bem-estar. Mulheres são as pioneiras no uso de produtos embelezadores, usam cremes para a pele do rosto, a pele do corpo, para os pés e mãos. Mulheres usam abusadamente de cosméticos simplesmente porque é sábia e sabe que beleza é um fator importante, afinal beleza também se põe na mesa, no banheiro, na cozinha, na parede, no carro, no jardim, na calçada, na pele, nos olhos e no coração. Perfumamos o corpo, os móveis, as roupas. 

Memorável a visão das mulheres putas de antigamente que valentes expressaram a importância do embelezamento pessoal. Louváveis aquelas mulheres que calçaram o desenvolvimento da indústria de cosmetologia, coisas do aparente universo exclusivamente feminino que deixou de ser coisa de mulher e passou a ser adotado pela sociedade masculina, garantindo o sucesso para imperioso comercio que agrega adeptos crianças, homens, mulheres e animais de estimação ao uso de produtos de beleza e higiene. Mas esta é uma pauta para outra crônica.

Vanda Ferreira é escritora sul-mato-grossense

me pediu que revisasse o texto, mas seria perder o cheiro da originalidade caso alguma correção coubesse. 


Um comentário:

Anônimo disse...

Bravo! Que belo!