Parafraseando
a publicidade de cerveja, podemos dizer que 'votamos porque sim'. Sem
necessitar de qualquer explicação e sem poder dar uma única razão para isso.
Apesar de a política apresentar tantos escândalos, nós votamos
e
vota 'porque sim'
Não passa um dia
sequer que não tenhamos uma denúncia contra algum político ou contra um grupo
de políticos. Denúncias e não escândalos, porque escândalo é algo que causa
perplexa indignação, e o envolvimento de nossos políticos de todas as cores, de
todos os cargos em tantas e tão constantes causas ilegais e imorais, já não nos
surpreende, sequer nos afeta como deveria.
Votar é quase
participar de um jogo mórbido. A relação entre o político e o eleitor deixou de
ser uma relação entre cidadão e cidadão onde o primeiro decide pelo segundo
para que lhe represente. Elegemos os atores que interpretarão uma peça nonsense
(que pode significar absurdo, algo que foge à lógica, ou conduta questionável).
Nesta peça não serão atônitos expectadores e sim uma plateia participante,
repetindo o roteiro ensaiado das críticas, dos xingamentos, de falsas
perplexidade e asco, mas também de inveja.
Nossa política é quase
uma cidadela sitiada onde uma imensa tropa pretende entrar e se estabelecer.
Então, por quê?
Porque sim.
“Porquês”. São vários os motivos. Talvez porque a cidade não pode ficar
acéfala, sem uma representação hierárquica em sua administração. Votamos nos
nomes que nos impõe. Votamos porque simpatizamos com este ou aquele candidato.
Votamos porque nos reconhecemos neles.
Mas não sabemos votar,
sequer sabemos exercer nossa cidadania.
Cidadania é
abrangente, começa pelo gesto de não jogar papel na rua, não pichar muros,
respeitar sinais; e atinge níveis mais complexos que dão aos cidadãos o direito
à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. Cidadania é participar
do governo através de manifestações políticas, discussões dos problemas,
oferecer soluções, questionar.
Nós apenas votamos.
Nada mais. Usamos do voto para tiramos dos nossos ombros os (pesados) encargos
de sermos cidadãos melhores.
A discussão política
que se faz não é a respeito dos projetos, nem se as propostas de campanha são
factíveis, ou ainda se o candidato tem capacidades para realizar tal obra. O
debate entre eleitores focam na troca de acusações, na disputa entre o número
de processos que tenham contra si, os desvios e falcatruas dos quais
participou. Estranhamente idolatram o mascarado que está acima da Lei.
Por isso os debates
entre os candidatos tornaram-se vazios. Antes até, os adversários políticos
dividiam suas falas em: apresentar seus programas de governo e; lançar
denúncias contra os adversários. Depois percebeu-se que os mais atacados,
aqueles que tinham mais denúncias expostas eram os que conquistavam mais simpatias
da população. Ele faz e a justiça não o alcança; ele é esperto, eu gosto dele.
Hoje as acusações são
mais amenas. Jogam o jogo do “eu sei o que você fez, mas não posso falar porque
fiz parecido”. Os debates são meras apresentações de programas elaborados de
forma publicitária versando sobre assuntos e coisas que mais afligem a
população, ou que tenham mais destaque na mídia, sem que se apresente um único
projeto consistente de como resolver essa ou aquela questão. Apenas uma
ladainha do “eu vou solucionar os problemas da saúde pública que está uma
vergonha; a questão indígena será resolvida em meu governo; crianças,
adolescentes, mulheres serão protegidos com isso, com aquilo; construiremos
creches e valorizaremos os profissionais da educação; a administração irá
funcionar a contento porque os funcionários serão treinados e valorizados etc.
etc. Etc.
Falta dizer “como?”.
Nosso voto não tem
qualidade, porque nos atemos a votar. A cada dois anos assistimos e
participamos desse enredo de comédia e dramaturgia, passado o show, vamos para
o sol, vamos para a sombra, entramos na nossa modorrenta mesmice.
Nosso voto não tem qualidade
porque não tem seguimento. Não exercemos nossa cidadania em momento algum. Não
cobramos, não acompanhamos. Sequer nos lembramos em qual dos mascarados acima
da lei, votamos.
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