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sábado, 17 de agosto de 2013

Melhora da qualidade de vida, não tem preço

Não é raro, pelo contrário, são até frequentes lesões da medula que levam ao descontrole da bexiga. Existe tratamento medicamentoso, mas por vezes falha e, quando isso acontece, parte-se, então, para outros tipos de tratamento. Nesse caso a neuroestimulação. Muitos pacientes têm indicação para este procedimento, mas não tem acesso até por falta de conhecimento. Isso não é uma coisa raríssima, acontece com pessoas lesadas modulares por traumatismo, acidente automobilístico, projétil de arma de fogo, ferimento por arma branca.

Entrevistamos o neurocirurgião Dr. Cesar Augusto Nicolatti (foto) que, com sua equipe, foi pioneiro no Mato Grosso do Sul, na implantação de geradores para neuroestimulação, utilizados também, para tratamento de Mal de Parkinson.

O que motivou a entrevista foi o tratamento de Glaice Niedes Pinheiro, de Bela Vista-MS, que aos 20 anos sofreu uma infecção na medula acompanhada de inflamação, conhecida como mielite transversa. Buscamos explicar de forma leiga, que Glaice perdeu o controle da bexiga, o que a impedia de urinar, com isso os rins foram prejudicados. Sem responder ao tratamento medicamentoso, ela se submeteu com sucesso, no Hospital Geral do Exército, em Campo Grande, ao tratamento da equipe do neurologista Dr. Cesar Augusto.

Dirceu Martins: Pessoas com problemas na medula costumam ter descontrole esfincteriano?

Dr. Cesar Augusto: Podem, e uma boa parte deles vai desenvolver, bexiga e/ou intestino neurogênico. Perder as funções por falta de controle do sistema nervoso. A medula é parte do neuroeixo e a comunicação entre as partes mais periféricas e o cérebro, centro do sistema nervoso central, passa pela medula, que tem centros de controle, e na parte mais baixa, o centro de controle da bexiga. Quando a gente desconecta esses centros, vai ter uma contração, que leva  uma dificuldade para urinar.

A Glaice nem queixava muito da parte intestinal, mas o ritmo intestinal dela era uma vez por semana, agora é todos os dias. E controle urinário, que ela não tinha, agora passou a controlar uma a duas micções (urinadas) por dia. Para quem não tinha nenhum controle, foi uma grande vitória.

Martins: A bexiga pode sofrer por incontinência.

Dr. Cesar Augusto: São dois tipos de bexiga, a hipotônica que é uma bexiga relaxada, e a hipertônica, que está sempre contraída, que é o caso da Glaice. No caso da lesão medular, é a bexiga hipertônica que melhor responde a esse tratamento.

Martins: Se o tratamento não for feito, vai causar uma perda nos rins?

Dr. Cesar Augusto: O rim é um filtro que recebe o sangue e retira desse as excretas, que forma a urina, e joga para a bexiga. Você pode ter o problema pré-renal, que é a desidratação porque o sangue muito viscoso ele não consegue filtrar, ou pós-renal, porque não tem como o rim liberar a urina, porque a bexiga está fechada, o rim não estava conseguindo empurrar a urina.

Martins: E o procedimento é a colocação de um eletrodo externo?

Dr. Cesar: Sim, primeiro a gente testa o externo para ver se vai funcionar, porque nós estamos falando de equipamentos de alto custo, não sei quanto, mas um gerador gira em torno de R$ 50 ou R$ 60 mil. Se não funcionar, não implantamos pois será um custo financeiro e humano muito alto.

Martins: É um corpo estranho.

Dr. Cesar: É um corpo estranho, que impede de fazer ressonância, vai ter que portar carteirinha de marcapasso – para entrar em locais com detector de metais. Se trouxer benefício para a qualidade de vida, é evidente que vale a pena.Testamos com o externo, avaliamos a funcionalidade e só então implantamos. Pode não ficar 100%, mas o que a gente deseja não é que volte a ter um controle normal da micção, mas que melhore a qualidade de vida significativamente.

Esse procedimento não sana a lesão medular, ele é um procedimento paliativo. A neurocirurgia funcional é mais voltada na direção de melhorar a qualidade de vida do que de curar algum tipo de doença.

Martins: Esta cirurgia, apenas sua equipe realiza em nosso Estado?

Dr. Cesar: Na verdade esse foi o primeiro procedimento dessa natureza feito no estado. Existem outras pessoas que têm a capacidade técnica para desenvolver, eu não sou o único a ter essa capacidade técnica, mas eu fui o pioneiro aqui no estado. Nós fomos os pioneiros. Eu não posso dizer que sou o único que faz. Fomos a primeira equipe a fazer.

Martins: É oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS)?

Dr. Cesar: O procedimento a tabela do SUS contempla. Só que teria que ser feito em Centros de Referência, o caso é que os materiais implantados não são contemplados. No caso da Glaice, foi comprado pelo plano de saúde, FUSEx (Fundo de Saúde do Exército). Mas, falando em SUS e de uma forma geral de planos de saúde, os procedimentos constam do rol da Agência Nacional de Saúde (ANS), o material tem registro na ANVISA, então é um tipo de procedimento que um paciente de convênio, se ele tiver indicação, não tem justificativa para ser negado.

Martins: Numa visão puramente econômica, sai mais barato do que manter pacientes em cirurgias paliativas por toda a vida?

Dr. Cesar: Temos que pensar: é um preço alto, mas que lhe dá uma economia de longo prazo, e nós temos que pensar no lado humanístico, que é a melhora da qualidade de vida não só da pessoa, mas do próprio grupo familiar.

Martins: Sabemos que o médico sempre vai pensar no lado humano, mas os planos de saúde e o próprio SUS miram o aspecto puramente econômico.

Dr. Cesar: Ah, sim. Mas o aspecto humanista acaba impactando em custo, não só para o plano, mas também para a sociedade. Porque a pessoa fica impedida de trabalhar e vai precisa de um “cuidador”, e esse também fica impedido de trabalhar. Isso tem impacto social, também.

Martins: O senhor e sua equipe procederam a uma cirurgia com sucesso num paciente com Mal de Parkinson?

Dr. Cesar: Sim, nós já fizemos cinco cirurgias deste tipo. Todos eles melhoraram a qualidade de vida de forma significativa.

Martins: Tem como quantificar essa melhora?

Dr. Cesar: É uma coisa subjetiva, depende do que a pessoa relata. Fica difícil por em termos percentuais. O que a gente pode dizer é que todos eles tiveram uma melhora significativa da qualidade de vida. O tratamento quando atinge a falha medicamentosa, a cirurgia, hoje, é a alternativa bastante válida. Precisa cumprir determinados critérios, nem todos os pacientes vão ter indicação para a cirurgia.

Martins: Todos os procedimentos utilizam os neurotransmissores?

Dr. Cesar: São geradores implantados para neuroestimulação. Para Parkinson é neuroestimulação cerebral profunda. Para o caso da Glaice era neuroestimulação sacral, é mais periférica.

Martins: E existem outras equipes fazendo a cirurgia para Parkinson no estado?

Dr. Cesar: Aqui no estado, mais especificamente em Campo Grande, que eu saiba, existem pelo menos mais duas equipes que já fizeram. A nossa equipe foi pioneira. Na parte de neurocirurgia funcional existem outros que fazem, mas a nossa equipe é a que vem tendo maior volume desse tipo de cirurgia. Temos feito bastante. A neurocirurgia funcional é um ramo da neurocirurgia que está imbuído em fazer tratamentos cirúrgicos para melhora da qualidade de vida. É funcional porque melhora a função da pessoa.

Martins: Doenças ditas incuráveis?

Dr. Cesar: Na verdade não atua no sentido de cura, mas de sintomas. Então, doença de Parkinson, que são transtornos de movimento, não vai curar, mas vai fazer com que a pessoa tenha uma melhora na qualidade de vida. No caso de incontinência urinária, incontinência fecal, tratamentos de dor, nós temos alguns casos de cirurgia de implante de gerador para controle de dor com eletrodo medular e controle de dor com bomba de morfina implantada.

Martins: Fibromialgia entra nesses casos?

Dr. Cesar: Tem alguns casos de pacientes com fibromialgia que são submetidos à colocação da bomba de morfina. Mas são casos muito extremos.

Martins: Bombas de morfina são indicadas para pacientes terminais?

Dr. Cesar: Sim. Dores de câncer, pessoas que têm um índice de avaliação de qualidade de vida chamado Índice de Karnofski. Vamos colocar de forma leiga: existe uma avaliação de qualidade de vida das pessoas, quando essa pessoa tem um índice bom, ou seja, tem condições de fazer muitas coisas mas ela acaba se limitando pela dor, então, quando existe essa situação, mesmo que ela tenha uma perspectiva de sobrevida de um ou dois anos, colocar uma bomba de morfina vai fazer com que ela se liberte da dor e tenha uma melhora da qualidade de vida durante esse período, para o pouco tempo que lhe resta, isso não tem  preço.



Fazem parte da equipe:

Dr. Cesar Augusto Nicolatti, neurocirurgião;

Professor Dr. Joaquim Oliveira Nogueira Junior, doutorado em neurociências pela Universidade de São Paulo – USP;

Dr. Fabiano Nozela Bertão, especialista em neurocirurgia funcional.




O performance status de Karnofsky é um sistema que classifica os pacientes em uma escala de 0 a 100, onde 100 corresponderia à "saúde perfeita" e 0 à morte.




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