Não é raro, pelo contrário, são até frequentes lesões da
medula que levam ao descontrole da bexiga. Existe tratamento medicamentoso, mas
por vezes falha e, quando isso acontece, parte-se, então, para outros tipos de
tratamento. Nesse caso a neuroestimulação. Muitos pacientes têm indicação para
este procedimento, mas não tem acesso até por falta de conhecimento. Isso não é
uma coisa raríssima, acontece com pessoas lesadas modulares por traumatismo, acidente
automobilístico, projétil de arma de fogo, ferimento por arma branca.
Entrevistamos o neurocirurgião Dr. Cesar Augusto Nicolatti (foto) que, com sua equipe, foi pioneiro no Mato Grosso do Sul, na implantação de
geradores para neuroestimulação, utilizados também, para tratamento de Mal de
Parkinson.
O que motivou a entrevista foi o tratamento de Glaice Niedes
Pinheiro, de Bela Vista-MS, que aos 20 anos sofreu uma infecção na medula
acompanhada de inflamação, conhecida como mielite transversa. Buscamos explicar
de forma leiga, que Glaice perdeu o controle da bexiga, o que a impedia de
urinar, com isso os rins foram prejudicados. Sem responder ao tratamento
medicamentoso, ela se submeteu com sucesso, no Hospital Geral do Exército, em
Campo Grande, ao tratamento da equipe do neurologista Dr. Cesar Augusto.
Dirceu Martins: Pessoas
com problemas na medula costumam ter descontrole esfincteriano?
Dr. Cesar Augusto: Podem, e uma boa parte deles vai
desenvolver, bexiga e/ou intestino neurogênico. Perder as funções por falta de
controle do sistema nervoso. A medula é parte do neuroeixo e a comunicação
entre as partes mais periféricas e o cérebro, centro do sistema nervoso
central, passa pela medula, que tem centros de controle, e na parte mais baixa,
o centro de controle da bexiga. Quando a gente desconecta esses centros, vai
ter uma contração, que leva uma
dificuldade para urinar.
A Glaice nem queixava muito da parte intestinal, mas o ritmo
intestinal dela era uma vez por semana, agora é todos os dias. E controle
urinário, que ela não tinha, agora passou a controlar uma a duas micções
(urinadas) por dia. Para quem não tinha nenhum controle, foi uma grande
vitória.
Martins: A bexiga
pode sofrer por incontinência.
Dr. Cesar Augusto: São dois tipos de bexiga, a hipotônica
que é uma bexiga relaxada, e a hipertônica, que está sempre contraída, que é o
caso da Glaice. No caso da lesão medular, é a bexiga hipertônica que melhor
responde a esse tratamento.
Martins: Se o
tratamento não for feito, vai causar uma perda nos rins?
Dr. Cesar Augusto: O rim é um filtro que recebe o sangue e
retira desse as excretas, que forma a urina, e joga para a bexiga. Você pode
ter o problema pré-renal, que é a desidratação porque o sangue muito viscoso
ele não consegue filtrar, ou pós-renal, porque não tem como o rim liberar a
urina, porque a bexiga está fechada, o rim não estava conseguindo empurrar a
urina.
Martins: E o
procedimento é a colocação de um eletrodo externo?
Dr. Cesar: Sim, primeiro a gente testa o externo para ver se
vai funcionar, porque nós estamos falando de equipamentos de alto custo, não
sei quanto, mas um gerador gira em torno de R$ 50 ou R$ 60 mil. Se não funcionar,
não implantamos pois será um custo financeiro e humano muito alto.
Martins: É um corpo
estranho.
Dr. Cesar: É um corpo estranho, que impede de fazer
ressonância, vai ter que portar carteirinha de marcapasso – para entrar em
locais com detector de metais. Se trouxer benefício para a qualidade de vida, é
evidente que vale a pena.Testamos com o externo, avaliamos a funcionalidade e
só então implantamos. Pode não ficar 100%, mas o que a gente deseja não é que
volte a ter um controle normal da micção, mas que melhore a qualidade de vida
significativamente.
Esse procedimento não sana a lesão medular, ele é um
procedimento paliativo. A neurocirurgia funcional é mais voltada na direção de
melhorar a qualidade de vida do que de curar algum tipo de doença.
Martins: Esta
cirurgia, apenas sua equipe realiza em nosso Estado?
Dr. Cesar: Na verdade esse foi o primeiro procedimento dessa
natureza feito no estado. Existem outras pessoas que têm a capacidade técnica
para desenvolver, eu não sou o único a ter essa capacidade técnica, mas eu fui
o pioneiro aqui no estado. Nós fomos os pioneiros. Eu não posso dizer que sou o
único que faz. Fomos a primeira equipe a fazer.
Martins: É
oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS)?
Dr. Cesar: O procedimento a tabela do SUS contempla. Só que
teria que ser feito em Centros de Referência, o caso é que os materiais
implantados não são contemplados. No caso da Glaice, foi comprado pelo plano de
saúde, FUSEx (Fundo de Saúde do Exército). Mas, falando em SUS e de uma forma
geral de planos de saúde, os procedimentos constam do rol da Agência Nacional
de Saúde (ANS), o material tem registro na ANVISA, então é um tipo de
procedimento que um paciente de convênio, se ele tiver indicação, não tem
justificativa para ser negado.
Martins: Numa visão
puramente econômica, sai mais barato do que manter pacientes em cirurgias
paliativas por toda a vida?
Dr. Cesar: Temos que pensar: é um preço alto, mas que lhe dá
uma economia de longo prazo, e nós temos que pensar no lado humanístico, que é
a melhora da qualidade de vida não só da pessoa, mas do próprio grupo familiar.
Martins: Sabemos
que o médico sempre vai pensar no lado humano, mas os planos de saúde e o
próprio SUS miram o aspecto puramente econômico.
Dr. Cesar: Ah, sim. Mas o aspecto humanista acaba impactando
em custo, não só para o plano, mas também para a sociedade. Porque a pessoa
fica impedida de trabalhar e vai precisa de um “cuidador”, e esse também fica
impedido de trabalhar. Isso tem impacto social, também.
Martins: O senhor e
sua equipe procederam a uma cirurgia com sucesso num paciente com Mal de
Parkinson?
Dr. Cesar: Sim, nós já fizemos cinco cirurgias deste tipo.
Todos eles melhoraram a qualidade de vida de forma significativa.
Martins: Tem como
quantificar essa melhora?
Dr. Cesar: É uma coisa subjetiva, depende do que a pessoa
relata. Fica difícil por em termos percentuais. O que a gente pode dizer é que
todos eles tiveram uma melhora significativa da qualidade de vida. O tratamento quando atinge a falha
medicamentosa, a cirurgia, hoje, é a alternativa bastante válida. Precisa
cumprir determinados critérios, nem todos os pacientes vão ter indicação para a
cirurgia.
Martins: Todos os
procedimentos utilizam os neurotransmissores?
Dr. Cesar: São geradores implantados para neuroestimulação.
Para Parkinson é neuroestimulação cerebral profunda. Para o caso da Glaice era
neuroestimulação sacral, é mais periférica.
Martins: E existem outras
equipes fazendo a cirurgia para Parkinson no estado?
Dr. Cesar: Aqui no estado, mais especificamente em Campo
Grande, que eu saiba, existem pelo menos mais duas equipes que já fizeram. A
nossa equipe foi pioneira. Na parte de neurocirurgia funcional existem outros
que fazem, mas a nossa equipe é a que vem tendo maior volume desse tipo de
cirurgia. Temos feito bastante. A neurocirurgia funcional é um ramo da
neurocirurgia que está imbuído em fazer tratamentos cirúrgicos para melhora da
qualidade de vida. É funcional porque melhora a função da pessoa.
Martins: Doenças ditas
incuráveis?
Dr. Cesar: Na verdade não atua no sentido de cura, mas de
sintomas. Então, doença de Parkinson, que são transtornos de movimento, não vai
curar, mas vai fazer com que a pessoa tenha uma melhora na qualidade de vida.
No caso de incontinência urinária, incontinência fecal, tratamentos de dor, nós
temos alguns casos de cirurgia de implante de gerador para controle de dor com
eletrodo medular e controle de dor com bomba de morfina implantada.
Martins: Fibromialgia entra
nesses casos?
Dr. Cesar: Tem alguns casos de pacientes com fibromialgia
que são submetidos à colocação da bomba de morfina. Mas são casos muito
extremos.
Martins: Bombas de morfina são
indicadas para pacientes terminais?
Dr. Cesar: Sim. Dores de câncer, pessoas que têm um índice de avaliação
de qualidade de vida chamado Índice de Karnofski. Vamos colocar de forma leiga:
existe uma avaliação de qualidade de vida das pessoas, quando essa pessoa tem
um índice bom, ou seja, tem condições de fazer muitas coisas mas ela acaba se
limitando pela dor, então, quando existe essa situação, mesmo que ela tenha uma
perspectiva de sobrevida de um ou dois anos, colocar uma bomba de morfina vai
fazer com que ela se liberte da dor e tenha uma melhora da qualidade de vida
durante esse período, para o pouco tempo que lhe resta, isso não tem preço.
Professor Dr.
Joaquim Oliveira Nogueira Junior, doutorado em neurociências pela Universidade
de São Paulo – USP;
O performance
status de Karnofsky é um
sistema que classifica os pacientes em uma escala de 0 a 100, onde 100
corresponderia à "saúde perfeita" e 0 à morte.
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